quinta-feira, 25 de abril de 2013

Sem confundir trigo com joio

sobre a citação equivocada de Célia Maria Motta

 
Bens antes considerados completamente fora do mercado,
como a polinização, começam a ser mercadorizados
Por Arthur Soffiati

Pela primeira vez na sua história, a Terra vive uma crise socioambiental planetária produzida por uma única espécie agindo de forma coletiva. Esta espécie é o “Homo sapiens”, da qual fazem parte tanto os construtores dos sistemas capitalista e socialista, ambos responsáveis pela crise, quanto os verdadeiros críticos dela.

Acuado em poucos países, o socialismo já deu contribuição maior à crise socioambiental planetária da atualidade. Hoje, só a China, que ainda se proclama socialista, mas que desenvolveu uma economia de mercado profundamente agressiva ao ambiente, pode ser apontada como representante de uma experiência fracassada. No mais, o capitalismo, na sua versão neoliberal, se expandiu e criou um mundo globalizado, com seus lucros e crises.

A crise socioambiental planetária da atualidade tanto pode se constituir num fértil campo a críticos que buscam saídas honestas para os problemas sociais e ambientais quanto abre grandes oportunidades para ampliar os lucros e aprofundar mais ainda a crise. Os conceitos de “desenvolvimento sustentável” e de “economia verde” são enganosos, pois que usados para convencer os incautos de que os grandes grupos empresariais e os governos estão empenhados no combate à crise.

Estes conceitos procuram demonstrar que a transformação de todos os bens naturais em mercadoria será benéfica para todos. Bens antes considerados completamente fora do mercado, como o ar, a fotossíntese, a capacidade de troca catiônica, a polinização, enfim, os bens e serviços ambientais gratuitos, começam a ser mercadorizados para permitir o avanço do capitalismo e do lucro.

É preciso separar claramente o joio do trigo. Na pertinente análise feita por Célia Maria Motta no artigo “A atualização da crise neoliberal”(*), esta separação foi bem feita. No entanto, ao incluir a economista Amyra El Khalili no joio, Célia foi apressada. Primeiramente por se valer de apenas um título de Amyra, o que é insuficiente para considerá-la uma pensadora que ensina a se aproveitar da crise para ganhar dinheiro. Se outros trabalhos da economista fossem lidos, ficaria clara a posição dela em favor de soluções que superam o neoliberalismo em benefício honesto para o ambiente e os grupos humanos desfavorecidos.

Em segundo lugar, Célia dissociou o pensamento de Amyra da sua ação. A economista não se refugia nos fortins da academia como mera observadora do mundo. Bem ao contrário, ela está no mundo. Ela toma partido. Não é por falar em commodities que apressadamente se pode julgá-la como defensora do neoliberalismo. Quem acompanha a trajetória de Amyra, como é o meu caso, sabe que ela deixou uma carreira brilhante em bolsas de valores para, na sua vida monástica atual, posicionar-se ao lado das comunidades tradicionais, das comunidades quilombolas e das nações indígenas. Como ser humano, mulher e palestina, Amyra defende a causa dos pobres, das mulheres e das nacionalidades humilhadas, como é o caso da Palestina.

Para quem não tira os pés da academia, é fácil cometer injustiças. Como eu tenho um pé na academia e outro fora dela, sei bem como funciona a lógica acadêmica. Mas sei também como é difícil combater verdadeiramente a crise socioambiental da atualidade buscando um mundo melhor para a natureza e para a humanidade. Em sala de aula, Amyra nunca perde de vista a realidade externa. Fora dela, Amyra colhe subsídios e experiências para levar aos seus alunos.


(*) O artigo de Célia Maria Motta, “A atualização da crise neoliberal” pode ser acessado no site da PUC/SP em: http://www.pucsp.br/neils/downloads/1_celia.pdf


Arthur Soffiati é doutor em História Social com concentração em História Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor aposentado da Universidade Federal Fluminense, integra o Núcleo de Estudos Socioambientais da mesma universidade. Publicou dez livros, além de vários capítulos de livros, de artigos em revistas especializadas e de artigos jornalísticos semanais. Está lançando os livros MÍNIMA POÉTICA e as LAGOAS DO NORTE FLUMINENSE  e será lançada também uma edição comentada do ROTEIRO DOS SETE CAPITÃES, documento fundamental para a história colonial do norte do Estado do Rio de Janeiro.

Comentário de Arthur Soffiati:
Não entendo que a pesquisadora Célia Maria Motta seja intelectualmente desonesta. Apenas considero que ela acabou sendo vítima da academia. Lá dentro, não calibramos as palavras escritas tendo em vista a realidade exerna. Ao situar Amyra como neoliberal, ela se prendeu apenas à letra de um artigo e não procurou conhecer a trajetória da economista nem sua vida pública. Seus trabalhos, palestras, entrevistas e artigos estão ao alcance de todos. Sugiro ler o e-book commodities ambientais em missão de paz, por ela apresentado e de acesso gratuito (http://amyra.lachatre.org.br). Também tenho certeza de que Amyra aceita ministrar palestras para expor suas ideias.

Ao escrever o artigo abaixo, quis apenas fazer um reparo que me pareceu justo.

Arthur Soffiati

Um comentário:

  1. Com reslação à Profª Amyra: Meu nome é Bernadete Lage Rocha, Professora, Voluntária em Articulação de Direitos Humanos há 29 anos, filiada ao MNDH. Há 11 anos, conforme poderá ser verificado no Google e Youtube, militando na luta pela inclusão social da Etnia Cigana no Brasil, cujo deficit democrático é assombroso. Não sou Cigana. A partir de 2013, eles foram incluídos pelo Governo em todas as políticas públicas, mas de nada tem adiantado, pois quase a totalidade da sociedade civil os rejeita, os expulsa, criando o que chamamos de nomadismo compulsório. Agora, estamos na luta para veiculação na midia dessa condição assombrosa de cerceamento de ir e vir e absurdo índice de analfabetismo. Pois bem, a razão desse meu comentário é a seguinte: assim que fizemos o primeiro manifesto pela Etnia Cigana, veiculado no país, ha´5 anos, uma das pessoas que se alinharam nesta luta, de uma forma comoventemente bela, foi a Profª Amyra el Khalili. Sou mais velha que ela. Aprendi, em tantos anos de estrada, a conhecer um pouco dos bastidores do ser- humano, e o barro em que foi forjado. Posso dizer que ela, com toda a certeza, teve parte relevante nas conquistas para esse povo, calado a ferro e fogo, há mais de 4 séculos no Brasil. A vida me deu a oportunidade certa para tornar pública minha sincera gratidão a ela. Que tenha vida e saúde para terminar de escrever sua história de respeito ao mundo e seus seres, constantemente ameaçados pela insensibilidade, pela falta de amor pleno, amor sustentável.

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