Especialista em sustentabilidade e mercado financeiro, a professora de engenharia financeira, Amyra El Khalili fala sobre Meio Ambiente, Economia Justa e Amazônia
Entrevista por Tiziane Virgílio
AMYRA EL KHALILI
Brasileira filha de pai palestino, formou-se em economia na Faculdade de Economia, Finanças e Administração de São Paulo (FEFASP). Atuou por 30 anos no mercado de futuros e de capitais e foi uma das primeiras mulheres a operar no pregão da Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM&F). Ocupou cargos relevantes em instituições financeiras, foi consultora da BM&F implantando mercados de commodities agropecuárias e instrumentos derivativos, é professora de engenharia financeira e estratégias de operações no mercados de riscos.
Entre os anos 1996 a 2003, coordenou o projeto de educação financeira nos mercados futuros e de capitais para o Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo, idealizou e fundou a Ong RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras (antiga Ong CTA - Consultants, Traders and Advisors - Geradores de Negócios Socioambientais nos Mercados de Commodities) , o Projeto BECE (sigla em inglês) Bolsa Brasileira de Commodities Ambientais, o Movimento Mulheres pela PAZ!. Suas atividades principais são ligadas à RECOs ao qual se dedica integralmente e que tem como princípio alcançar o desenvolvimento social, econômico e ambiental, valorizando a dignidade da pessoa humana e o meio ambiente, garantindo o direito de uso dos bens ambientais conforme a Constituição Federal.
Os projetos de pesquisa da coordenadora da RECOs estudam os temas economia de mercado, meio ambiente e finanças sustentáveis, redes solidárias e suas estratégias, mudanças climáticas e mercados emergentes, financiamentos de projetos e negócios socioambientais, conflitos sociopolíticos, espiritualidade e esperança, guerra e paz.
Amyra El Khalili foi indicada em 2004 para o “Prêmio 1.000 Mulheres para o Nobel da Paz”, e em 2005 e 2007 recebeu indicação para o “Prêmio Bertha Lutz”, que homenageia brasileiras desenvolvedoras de atividades em defesa dos direitos das mulheres e questões de gênero no País.
Em 2009, a professora de engenharia financeira lançou o e-book “Commodities ambientais em missão de paz – novo modelo econômico para a América Latina e o Caribe”, que propõe uma alternativa de mercado onde sugere a criação de condições para uma economia justa.
A seguir o posicionamento da professora Amyra El Khalili sobre temas de sua especialidade em trechos da entrevista à REVISTA PIM:
MERCADO AMBIENTAL X CAPITALISMO
Ainda não conhecemos a real dimensão deste mercado, onde começa o ativismo e onde termina o interesse financeiro. Existem iniciativas, projetos socioambientais e empresas que estão se adequando a uma nova forma de produzir ambientalmente sustentável, porém há aqueles que fazem marketing ambiental para melhorar sua imagem greenwashing, mas não modificam a forma de produzir, comercializar, nem as relações com consumidores e com as comunidades onde estão sediadas.
O capitalismo está em crise, enfrentando sérios problemas de credibilidade por fraudes e corrupções denunciadas desde 2008 com o escândalo do subprime1, operações pirâmides e agora, mais recentemente, com a demissão de executivos de bancos por manipularem os cálculos da Taxa Libor2.
A Cúpula dos Povos, movimento paralelo à RIO+20, não está se posicionando contra esse modelo neoliberal exclusivamente por questões ideológicas, sobretudo por fatos comprovados à exaustão e suas consequências trágicas contra populações tradicionais, caiçaras, índios, quilombolas, campesinos, os pobres e minorias e, principalmente, contra a degradação e a devastação ambiental. Se foi esse modelo neoliberal enraizado no capitalismo selvagem que desencadeou todas esses danos ambientais e exclusão social, como pode esse mesmo modelo ser a solução do problema?
Essa é a questão. Existem novos modelos de produção, de consumo e financeiros propostos por centenas de comunidades e grupos socioambientais como alternativa ao neoliberalismo esverdeado contrapondo-se à economia verde. E é aqui que reside a importância de nosso trabalho na Aliança RECOs (Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras): ouvir e registrar o que as comunidades consideram suas prioridades e soluções para seus problemas. Se são eles os impactados, eles devem ser “ouvidos”, consultados e considerados. Nos propomos, com o nosso conhecimento técnico-científico, a orientá-los. Ao contrário do que muitos governos estão fazendo com aval de algumas Ongs, impondo leis e regras goela abaixo sem consulta pública e ainda tentando se legitimar com um número muito restrito de participações para “inglês ver”! Eles (governos) seguem assinando acordos com empresas estrangeiras, mais preocupados com eleições do que com os riscos e resultados desastrosos destes acordos. E assim vão produzindo uma espécie de “subprime ambiental”: empacotando as dívidas, os créditos bons com os ruins, transformando passivos (poluição, lixo químico, tóxicos, entre outros) em ativos ambientais e empurrando a conta dos “recebíveis” para as futuras gerações pagarem.
SISTEMA FINANCEIRO
Acreditamos que o sistema financeiro pode ser reprogramado, pois é feito por seres humanos que sentem e vibram. Seres humanos que sofrem e se alegram, ganham ou perdem. O sistema financeiro é mecânico, se alimenta na emocionalidade, já que o mercado de capitais é irracional. Também acreditamos que o conhecimento sobre o sistema financeiro não deveria ser privilégio de meia dúzia de bancos e de especialistas, muito menos se prestar a atender exclusivamente às corporações que são praticamente estados.
Esse sistema financeiro deve servir à humanidade e ao meio ambiente, e não o contrário, como temos experimentado com o neoliberalismo idólatra do “deus mercado”. A RIO+20 provocou uma discussão na qual tenho dedicado minha vida: a de analisar e questionar profundamente a função do sistema financeiro, os mercados de capitais e suas consequências, como ocorreu no encontro paralelo Cúpula dos Povos.
É possível inverter a pirâmide onde no topo está hoje o mercado financeiro, colocando no seu devido lugar o excluído. Se o povo compreender que esse mesmo povo vilipendiado3, explorado e humilhado por esse modelo econômico tem o poder de transformá-lo, é evidente que o Brasil a partir da RIO+20 terá provocado um movimento histórico para promover essa transformação.
PROJETO BECE
Em 1996, fundei o Projeto CTA (Consultants, Traders and Advisors), que tem como princípio norteador desenvolver outras variáveis não consideradas na economia ortodoxa, como valor social, ambiental, cultural, paisagístico, histórico e tradicional e incorporá-los nos mercados acionários, moedas e taxas, agropecuários, ambiental e espacial (bens intangíveis), com a formação de um profissional multidisciplinar para o olhar regional sobre a economia, sociologia e ecologia. Com a minha experiência de três décadas nos mercados de capitais, avançamos enquanto organização não governamental na formação deste profissional e na implantação dos mercados de commodities ambientais e espaciais.
O antigo Projeto CTA, de minha autoria, foi objeto de disputa judicial entre o Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo e a ong CTA (hoje ong RECOs). Se não fosse bom e de altíssimo interesse econômico, o Sindicato dos Economistas de São Paulo (Sindecon SP) não gastaria tempo e advogados tentando se apropriar dos direitos autorais. Perderam em 1ª e 2ª instâncias e, em novembro de 2011, o processo foi encerrado.
Deste projeto originou-se o Projeto BECE (sigla em inglês de Bolsa Brasileira de Commodities Ambientais). BECE é codinome com “B” de Banco, “E” de economia, “C” de Central e “E” de Ecologia e é o espelho como contraponto das Bolsas de Valores, Commodities e Derivativos. Não existia uma força contrária para questionar técnico-científico e estrategicamente o que estava sendo decidido em nome da sociedade e do meio ambiente no mercado de capitais deste continente considerando o potencial econômico do Brasil como corredor financeiro da América Latina e o Caribe. O BECE faz esse papel. Entendemos que será possível reestruturar o sistema financeiro quando as pessoas compreenderem como isso funciona e o que está em jogo. Estamos falando de educação financeira a partir do “ecodesenvolvimento”, como propôs Ignacy Sachs na origem do conceito “Desenvolvimento Sustentável” na Conferência de Estocolmo (1972).
Portanto, cabe à sociedade cobrar desse sistema a sua responsabilidade socioambiental. Mas para isso é necessário que as pessoas leigas tenham também interesse em aprender como funciona esse sistema (financeiro) para que possam questionar, corrigir as distorções ou até mesmo interditar contratos mal desenhados e impedir lacunas e falhas que viabilizem fraudes e corrupções, além das artimanhas, como alteração de legislações e/ou legislarem para beneficiar o sistema financeiro em detrimento do interesse público.
O MERCADO DE CARBONO E O AMAZONAS
O mercado de carbono se sofisticou de tal forma que inspirou a reboque, nos mesmos moldes, a formação de outros mercados, como de compensações, de reserva legal, de créditos recebíveis de passivos transformados em ativos entre outras impressionantes criatividades. Coisa complicada até para quem conhece profundamente o mercado de commodities e derivativos. Parece algo muito inteligente, mas não vamos nos iludir, trata-se de um “tapa buracos” do prejuízo amargado em outros mercados internacionais que buscam novas formas de captação de recursos para tentar conter a bolha financeira que desencadeou as operações de subprime e derivados, como disse anteriormente.
Há uma série de empresas vendendo créditos de carbono e de compensações de áreas do Brasil e de toda América Latino-caribenha no exterior. Estamos investigando possíveis fraudes em anúncios de vendas destes créditos.
Os projetos oficiais são os que estão aprovados pelo Comitê Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no âmbito do Protocolo de Quioto. Há, porém, um mercado voluntário operando na informalidade com créditos de carbono, de compensação e outros créditos há 15 anos desde que foi instituído o MDL, em 1997. Claro que o bioma Amazônico em toda sua extensão é o mais cobiçado pela atração e fascínio que exerce na mente dos povos estrangeiros e de potenciais investidores de terras por suas riquezas florestais, biodiversidade, minérios, águas doces e subterrâneas.
Suspeitamos, pelos inúmeros hectares de terras ofertadas no exterior, que alguns estados já foram vendidos, sem exagero, bastando apenas contabilizar e entregar. Este tipo de negócio chama-se “venda à descoberto” (short sale), quando vendem no mercado de commodities e derivativos sem ter o ativo para entrega futura. Depois saem correndo comprando no mercado spot (à vista) para honrar as operações. Quando ocorre, esse movimento é chamado corner (encurralar, colocar num canto). O vendedor (short) é obrigado a comprar pagando o preço que estiver ofertado no mercado e, mesmo assim, não consegue encontrar liquidez para comprar aquilo que vendeu sem ter para entregar. Por esse motivo, preferimos aprofundar as investigações, apurar denúncias e seguir cobrando rigorosamente do poder público e dos órgãos fiscalizadores.
CONSCIÊNCIA: INFORMAÇÃO, COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO
O projeto BECE, como contraponto às bolsas e ao Sistema Financeiro, a Aliança RECOs, como alavanca provocadora de uma nova consciência, e a busca por novas fontes com pensamentos plurais e visões críticas caminham no tripé informação, comunicação e educação. E como diz José Saramago “A alternativa ao neoliberalismo se chama consciência. A consciência de que não somos e não fazemos parte desta estrutura por estarmos ainda conscientes”.
1 – Crédito de risco concedido a um tomador que não oferece garantias suficientes para se beneficiar de taxas de juros mais vantajosas. Forma de crédito hipotecário cuja garantia é o imóvel.
2 – London Interbank Offered Rate (LIBOR) é uma taxa de referência diária muito utilizada nas transações internacionais.
3 – Desprezado, menosprezado, desrespeitado.
Revista PIM – Polo Industrial de Manaus
Economia, Indústria & Negócios na Zona Franca de Manaus
Ano III – Ed. 32 – Novembro de 2012
A Revista PIM é uma publicação mensal de conteúdo econômico. Aborda temas nas áreas de logística, gestão, transporte, legislação e incentivos fiscais, qualidade, finanças, recursos humanos, dentre outros, através de um jornalismo sério, isento e objetivo. É uma ótima opção para se manter informado sobre a atividade industrial na Zona Franca de Manaus.